5.11.10

Almanaque Lispector - FINAL


Agora sim, chegamos a nossa última postagem do Almanaque Lispector. Saindo do luto de ontem, hoje você verá os materiais preciosos desta incrível escritora. Uma foto em alta qualidade e especialmente formatada para o Bobaens & Livros e para você fazer o download. Além do que ela mais fazia de bom e precioso, escrever. Você já descobriu que essa mulher batalhou muito em sua vida sufrida (!) - como dizia Dicesar do BBB10 - para chegar até aqui e se tornar uma lenda viva, desculpe-me pela piada.

Contrariar as contrariedades

Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inlcusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora da minha própria vida. 

Clarice Lispector, em 'Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres'

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Uma vida maior

Estou querendo viver daquilo inicial e primordial que exactamente fez com que certas coisas chegassem ao ponto de aspirar a serem humanas. Estou querendo que eu viva da parte humana mais difícil: que eu viva do germe do amor neutro, pois foi dessa fonte que começou a nascer aquilo que depois foi se distorcendo em sentimentações a tal ponto que o núcleo ficou esmagado em nós mesmos pela pata humana. É um amor muito maior que estou exigindo de mim – é uma vida tão maior que não tem sequer beleza. Estou tendo essa coragem dura que me dói como a carne que se transforma em parto. 

Clarice Lispector, em 'A Paixão Segundo G.H.'

A humildade na escrita

Nós, os que escrevemos, temos na palavra humana, escrita ou falada, grande mistério que não quero desvendar com o meu raciocínio que é frio. Tenho que não indagar do mistério para não trair o milagre. Quem escreve ou pinta ou ensina ou dança ou faz cálculos em termos de matemática, faz milagre todos os dias. É uma grande aventura e exige muita coragem e devoção e muita humildade. Meu forte não é a humildade em viver. Mas ao escrever sou fatalmente humilde. Embora com limites. Pois do dia em que eu perder dentro de mim a minha própria importância - tudo estará perdido. 

Clarice Lispector, em 'Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres (discurso do personagem Ulisses)'.

O sagrado e o alcançável

Sem uma palavra a escrever, Martim no entanto não resistiu à tentação de imaginar o que lhe aconteceria se o seu poder fosse mais forte que a prudência. «E se de repente eu pudesse?», indagou-se ele. E então não conseguiu se enganar: o que quer que conseguisse escrever seria apenas por não conseguir escrever «a outra coisa». Mesmo dentro do poder, o que dissesse seria apenas por impossibilidade de transmitir uma outra coisa. A Proibição era muito mais funda..., surpreendeu-se Martim. 
Como se vê, aquele homem terminara por cair na profundeza que ele sempre sensatamente evitara. 
E a escolha tornou-se ainda mais funda: ou ficar com a zona sagrada intacta e viver dela - ou traí-la pelo que ele certamente terminaria conseguindo e que seria apenas isso: o alcançável. 
Como quem não conseguisse beber a água do rio senão enchendo o côncavo das próprias mãos - mas já não seria a silenciosa água do rio, não seria o seu movimento frígido, nem a delicada avidez com que a água tortura pedras, não seria aquilo que é um homem de tarde junto do rio depois de ter tido uma mulher. Seria o côncavo das próprias mãos. Preferia então o silêncio intacto. Pois o que se bebe é pouco; e do que se desiste, se vive. 

Clarice Lispector, em "A Maçã no Escuro".

A redução do pensamento à palavra

O homem parecia ter desapontadamente perdido o sentido do que queria anotar. E hesitava, mordia a ponta do lápis como um lavrador embaraçado por ter que transformar o crescimento do trigo em algarismos. De novo revirou o lápis, duvidava e de novo duvidava, com um respeito inesperado pela palavra escrita. Parecia-lhe que aquilo que lançasse no papel ficaria definitivo, ele não teve o desplante de rabiscar a primeira palavra. Tinha a impressão defensiva de que, mal escrevesse a primeria, e seria tarde demais. Tão desleal era a potência da mais simples palavra sobre o mais vasto dos pensamentos. Na realidade o pensamento daquele homem era apenas vasto, o que não o tornava muito utilizável. No entanto parece que ele sentia uma curiosa repulsa em concretizá-lo, e até um pouco ofendido como se lhe fizessem proposta dúbia. 

Clarice Lispector, em "A Maçã no Escuro".

Terminamos aqui o nosso Almanque Lispector, que aconteceu em três desta semana. Quarta, quinta e hoje, sexta. Você pode conferir os outros episódios, aqui e aqui. Agradecimentos à você que acompanhou tudo aqui e fez desta primeiro especial um sucesso. Agradeço às fontes; os sites de literatura e outros livros empoeirados. Como também os próprios livros de Lispector. Espero que tenha ficado satisfeito com tudo o que aconteceu aqui. Até a próxima aventura!

BOBAGENS & LIVROS
(c) Brasil / 2010


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